quarta-feira, fevereiro 18, 2009

Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres


Para falar sobre o estilo Clarice de escrever, utilizarei a orelha do livro: "Parece que Clarice está sempre dizendo: 'Renda-se como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Pergunte sem querer A resposta, como eu estou perguntando. Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa todo entendimento.'"

O livro nos mostra a todo o momento a busca de Lóri ao seu interior. Orientada por Ulisses ela começa a procurar nos outros a si própria:

"Encontrar na figura exterior os ecos da figura interna: oh, então é verdade que eu não imaginei: eu existo."


Em sua busca pela aceitação de si própria Lóri não se importa de sofrer, até mais, quando suas feridas estão abertas ela não as deixa cicatrizarem, pois a seu ver, para se conhecer a dor é necessária, pois só com ela consegue-se a liberdade:

"Quero que isto que é intolerável continue, porque quero a eternidade."

Apesar de existir uma urgência interna, Lóri não se importa em quanto tempo levará até conseguir encontrar-se, ela se apóia em Ulisses, que é professor como ela, porém ele já alcançou um nível maior; ele se conhece inteiramente.

A história das personagens não tem um início, somos logo jogados na leitura, na história de Lóri e sua aprendizagem, quando a conhecemos ela e Ulisses já se conhecem; Lóri necessita dele, e nessa necessidade eles se descobrem homem e mulher:

"Ele era um homem, ela era uma mulher, e milagre mais extraordinário do que esse só se comparava à estrela-cadente que atravessa quase imaginariamente o céu negro e deixa como rastro o vívido espanto de um universo vivo!"

(por essa passagem dá pra ter uma noção de como é o livro, se você não gostou dela nem precisa terminar de ler o artigo)

Ao longo do livro a busca de Lóri vai se tornando mais confusa e profunda. A professora divide a sua vida entre antes e depois de Ulisses, com ele a protagonista se dá conta do que busca, percebe-se pequena diante do mundo e vê que ainda há uma grande parte de si que não conhece, mas almeja conhecer:

"E restava, ainda como sombra da dor sombria de que fora feita antes de Ulisses, o pensamento desalentado: o que ela era, era apenas uma pequena parte de si mesma."
Para mim Ulisses é ao mesmo tempo chave e barreira nessa busca, Lóri é muitas vezes subjugada por ele, Ulisses se acha superior à Lóri no conhecimento de si próprio.

Clarice expressa muito bem essa superioridade ao nos mostrar as suas profissões, ele um grande professor da universidade, ela uma simples professora primária, ainda descobrindo sua jornada.

Por ser tão subjugada e influenciada por Ulisses, sempre que pensava ter compreendido algo sobre si Lóri não pensava estar certa, pois para ela a sua compreensão

"(...) era sempre um erro - preferia a largueza tão ampla e livre e sem erros que era não-entender. Era ruim, mas pelo menos se sabia que se estava em plena condição humana."

(para mim essa é uma clara demonstração de como Ulisses é superior, maior do que o que é humano) Quando estava com Ulisses ela apenas o ouvia, tentava absorver todo o conhecimento dele:

" -Parece tão fácil à primeira vista seguir os conselhos de alguém. Seus conselhos, por exemplo (...) - Seus conselhos. Mas existe um grande, o maior obstáculo para eu ir adiante: eu mesma. Tenho sido a maior dificuldade no meu caminho. É com enorme esforço que consigo me sobrepor a mim mesma." Em uma determinada parte do livro Ulisses pergunta à Lóri se ela sabe rezar, se ela sabe pedir o máximo de si mesma, a partir disso Lóri começa a se encontrar... Em determinado momento ela decide ficar sem o seu alimento, passou a resistir à vontade enorme que sentia de ligar para Ulisses, de encontrá-lo, nesse tempo ela tentava se encontrar abrindo suas feridas e deixando-as assim. Nessa época ela percebe que talvez ele a ame: "Ele a olhava. Com um susto Lóri notou: era um olhar.. de amor?"

Ela tem vontade e necessidade de se entregar a ele, pensa que assim teria uma testemunha de si própria (com isso ela demonstra ter o mais puro amor):

" A um movimento seu (..) viu de relance o rosto dele, percebeu que ele a olhava e que a desejava. Sentiu então um pudor que já diferia do que ele chamara de pudor de ter um corpo. Era um pudor de quem sabe o que deseja.(...) Ao perceber muito claro o próprio desejo, tornou-se arisca e dura (...) Ela foi se tranqüilizando e perdeu o medo maior que tinha: o de perdê-lo por se atardar tanto. Surpreendeu seu próprio pensamento: então ela planejava de fato um dia ser sua? Pois enganava-se sempre pensando que se tratava de uma espécie estranha de amizade e que assim continuaria sempre..."

No "fim" (da mesma forma que não sabemos o início deles, não saberemos o seu final) Lóri e Ulisses encontram um ao outro. Ela encontra-se por completo, nessa completude percebe-se ligada ao mundo e necessita contar a alguém essa conquista, é dessa forma que as suas almas se tornam uma só.

Esse encontro está abaixo, todo o último capítulo é relevante, mas separei algumas partes para ter uma noção de como foi esse encontro:

"Talvez por uma necessidade de proteger essa alma nova demais, nele e nela, foi que ele sem humilhação, mas com uma atitude inesperada de devoção e também pedindo clemência para não se ferirem nesse primeiro nascimento - talvez por isso tudo é que ele se ajoelhou diante dela. E para Lóri isso foi muito bom. Sobretudo porque sabia que estava sendo bom para ele (...) Nunca um ser humano tinha estado mais perto de outro ser humano."

"Ela não soube como, de joelhos mesmo, ele a tinha feito ajoelhar-se junto a ele no chão, sem que ela sentisse constrangimento. E uma vez ajoelhados os dois se beijaram. (...) Foi então deitados no chão que se amaram tão profundamente que tiveram medo da própria grandeza deles."

"Ele sentiu logo a falta de contado e disse entre acordado e domindo: - É porque eu te amo. Então ela, em voz baixa, para não despertá-lo de todo, disse pela primeira vez na sua vida: - É porque te amo. Grande paz tomou-a por ter enfim dito."

" - Você tinha me dito que, quando me perguntassem meu nome eu não dissesse Lóri, mas "Eu". Pois só agora eu me chamo "Eu". E digo: Eu está apaixonada pelo teu eu. Então nós é. Ulisses, nós é original." "Pois assim era com Ulisses, eles haviam se possuído além do que parecia ser possível e permitido, e no entanto ele e ela estavam inteiros."

"Ulisses, o sábio Ulisses, perdera a sua tranquilidade ao encontrar pela primeira vez na vida o amor. Sua voz era outra, perdera o tom de professor, sua voz agora era de um homem apenas. (...) Lóri pôde enfim falar com ele de igual para igual. Porque enfim ele se dava conta de que não sabia de nada e o peso prendia a sua voz. Mas ele queria a vida nova perigosa."

2 comentários:

Thyago disse...

nooooossa, que foda o final *-*
isto me lembra da cacetada de livro que tenho que ler, dentre eles um da clarice lispector, acho que vou ler neste feriado

Jaderson disse...

hum, legalzinho xD.

penso que preciso ler alguns livros do tipo, mas preciso ler tantos outros que me identifico mais, quem sabe um dia.