quinta-feira, março 19, 2009

A Importância das Locações no Cinema

capa

Segue a situação, o protagonista da trama passa por uma desilusão em sua vida – amorosa, profissional ou qualquer tipo de revés – e acaba saindo na rua para caminhar e tentar dispersar os pensamentos depressivos que rondam sua cabeça. É uma cena triste, uma cena pesada, em que o ambiente pode demonstrar, e até mesmo intensificar, a densidade do momento em que ele se encontra.

Onde filmar uma cena como essa? Numa feira de especiarias marroquinas ou no início da noite em Londres, sob garoa?

Okay, foi um exemplo esdrúxulo e desnecessário, porém não tinha pensado em um melhor para inaugurar o artigo. Hoje falarei sobre uma das coisas que os espectadores dificilmente param para reparar, mas subconscientemente fazem total diferença na interpretação que você tem da película. As locações, ou cenários, como preferir.

cinema3d A Experiência Multissensorial Cinematográfica

Em 1995 José Saramago lançava Ensaio sobre a Cegueira, livro que o consagraria na história. Em 1998 Fernando Meirelles já solicitava os direitos para que pudesse adaptar a obra ao cinema, proposta que foi prontamente recusada. Segundo o escritor, o cinema "destruía a imaginação".

Mais tarde com o esforço empreendido pelo produtor Niv Fischman e pelo roteirista Don McKellar a chance caiu nos colos de Meirelles, que fez um filme que não foi muito bem visto pela mídia. Ele acabou sendo considerado indigesto, ácido e longe de transparecer a sutileza filosófica da obra de Saramago. O que isso significa? Estaria ele certo quanto ao cinema? Ele realmente destrói a imaginação?

Não acho que seja bem por aí, é uma questão complexa e com vários fatores que devem ser analisados – além do que não creio que os escritores e cineastas tenham a melhor das relações, teoricamente são concorrentes.

Primeiramente porque a imaginação é uma região cerebral que deve ser relacionada à memória, digo, por mais diferente que seja uma obra que você leia e por mais elementos totalmente novos para você que ela insira, sua imaginação sobre a estrutura dos cenários e personagens será subordinada ao seu conhecimento de ambientes e pessoas. Ou seja, ao ler um livro, a imagem que você constrói das cenas é relacionada a lugares que você já conhece. Por exemplo, se na leitura o ato se passa em uma fazenda você vai imaginá-la como a fazenda do seu avô, ou pelo menos imaginará algo parecido.

cidade-de-deus01

Onde quero chegar? Estou puxando a corda para meu lado, defendendo o que gosto, ora bolas! Mas, sério, o cinema é uma experiência válida. Evidentemente que a leitura foi importantíssima em nossa evolução como humanos e propiciou um avanço inimaginável em nossa cultura, difundindo conhecimento entre épocas e derrubando fronteiras. Só que não dá para ignorar a modernização das mídias, a criação do cinema propiciou uma experiência sensorial ímpar em nossa história.

A overdose de sons, imagens e caracteres permite que a informação, aliás, que a arte codificada em informações sensoriais, se torne muito mais rápida e intensa. E, exatamente por ser intensa, sobrecarregando nosso cérebro com informação, o cinema tem que ser curto. Imagine só ter que assistir 12hs seguidas de um filme? Seria impossível captar tudo que ele passa. E por ser curta ela não transmite a mesma quantidade de informações que um livro pode transmitir.

Enfim, vendo agora acho que deveria fazer um post apenas com essa discussão, mas já é tarde – vamos seguir em frente.

jame-span A Interação com Personagens e Sentimentos

Como introduzi no início da postagem, a Locação não apenas está lá para servir como fundo às ações de cena ou para, pura e simplesmente, completarem o espaço da tela. Elas interagem com o momento e personalidade dos personagens, tanto em questões físicas - como muitos prédios e muita gente circulando se for um romance metropolitano, ou construções antigas e poucas pessoas muito bem vestidas e distintas se for uma trama policial investigativa – quanto em questões climáticas (névoa, chuva, sol, céu nublado) além do importante papel da iluminação, sombras, solo etc.

E essas locações devem ser flexíveis para se alterar junto ao desenvolvimento dos personagens, como por exemplo quando, em Ensaio sobre a Cegueira os protagonistas deixam a cidade suja e infestada de pessoas maltrapilhas, para ir ao apartamento organizado e bem estruturado – momento em que eles passam a ter uma vida um pouco mais agradável e, posteriormente, voltam a enxergar.

As locações também são primordiais para te passar a intenção do filme, o clima que se espera do filme e, a partir daí, a trama se desenrolará com mais facilidade. E isso é um conjunto de fatores, desde locações, até maquiagem passando pelo figurino. Ou seja, o conjunto desses aspectos técnicos preparam o campo para a melhor degustação do filme.

Veja por exemplo 300, a fotografia meio desfocada, as cores vibrantes, quase berrantes, os cenários rústicos, pesados, digitalizados – tudo contribui para que você sinta uma relativa tensão durante o filme, tensão necessária para o estilo de narrativa. Em contraposição temos Eu, Meu Irmão e Nossa Namorada, que se passa quase todo em uma casa de campo, com um gramado bastante verde, um lago ao lado, a casa totalmente de madeira, as roupas longas por causa do frio, o chá quente, a música entre amigos, as crianças brincando… Até o carro velho do protagonista – nada disso é à toa, o clima aconchegante e familiar é o fundo perfeito para um triângulo amoroso conjugal.

Sensações Transmitidas pelas Locações

futurista Futurismo

Não necessariamente mostrando algo que venha do futuro, ou que represente um aspecto que nossa sociedade terá apenas em um tempo posterior. Mas passando ao espectador uma sensação de velocidade, representativa da agilidade mutacional da sociedade, ou de modernidade, tecnologia. Como exemplo temos Laranja Mecânica, com sua velocidade, cores fortes, música clássica; e Tempos Modernos com sua dinâmica mutacional e tecnológica.

 

destruição Destruição

Não há muito o que falar nesse sentido, Tokyo e New York são as melhores para esse estilo de filme. A enormidade de construções verticais, a densidade populacional altíssima e o progresso econômico que transparece a sensação de invulnerabilidade as torna o alvo ideal para cometas, invasão de lagartos gigantes, inundações etc. Que se encaixam nessa descrição estão filmes como O Dia Depois de Amanhã, qualquer Godzilla e Cloverfield.

 

corrupção Corrupção

No cinema a corrupção pode ser transmitida por cidades obscuras, mal-iluminadas, com barris pegando fogo, jornais voando sobre as ruas e vapor subindo pelos bueiros. Um filme que representa isso muito bem é Batman (1989), de Tim Burton, e Batman Returns, do mesmo diretor. Bem como o recente Watchmen, que transmitiu esse sentimento com igual maestria, além da excepcional trilha sonora. Além destes, grande parte dos filmes noir se encaixam nesse estilo, bem como alguns de Alfred Hitchcock, como Interlúdio.

 

fantasia-aventura Fantasia/Aventura

Mais um que não tem muito o que comentar, a terra da fantasia é a Nova Zelândia. A trilogia de Senhor dos Anéis não poderia encontrar melhor lugar em todo esse mundo para representar os longos campos da Terra Média. Com direito a bosques, rochedos e tudo mais. Os filmes que buscam transmitir a sensação de fantasia e aventura recorrem geralmente a espaços muito amplos e cenários que mudam constantemente. Desde uma caverna, até um vale; ou de uma cidade esquecida no mapa a um rio. Outra locação ideal para esse estilo é o mar, ele é cheio de intempéries, percalços e pode ser tranquilo e fascinante em outros momentos. Além disso, o mar é o lugar máximo onde se podem ocorrer aventuras – One Piece que o diga. Filmes que se encaixam nesse exemplo são a trilogia do Senhor dos Anéis, Mestre dos Mares e Diários de Motocicleta.

 

aconchego Aconchego

Não sei vocês, mas para mim a opção ideal de lugar para viver – ou para passar a velhice, já que a juventude é cosmopolita, não tem para onde correr – é em uma casa de campo, com gramado verde, árvores enormes, cadeiras largas e cheias de almofadas, um lago ao fundo e um pouco de frio. Isso é o que quero para mim, oh, sim! E se um filme quer transmitir a sensação de aconchego, proximidade… Essa impressão de que as coisas acontecem mais devagar, com tranquilidade, esse tipo de locação é perfeita. Caso necessite ser rodado em uma cidade o ideal são casas ao estilo holandês, estreitas, com dois andares e uma escada na frente da porta principal. Os filmes que mostram isso bem são Eu, Meu Irmão e Nossa Namorada e Juno.

 

epico Épico

Está certo que 'épico' não é bem um sentimento, mas não achei uma palavra melhor que transmitisse a sensação de estar presente em um evento do passado com extrema realeza. Os filmes que buscam esse produto precisam construir suas próprias locações, na maioria dos casos. Ou buscar vilas perdidas no tempo que utilizem a arquitetura de outras épocas. O cuidado é essencial nesses casos, filmes épicos precisam ser coerentes, nada de relógio digital no braço de figurante nem de avião passando ao fundo – o trabalho da equipe de edição é dobrado. Bons filmes dessa categoria são E aí Meu Irmão, Cadê Você?, dos irmãos Coen e Tróia, com Brad Pitt.

terrorTerror

Meu gênero predileto, meio que esnobado por quem se diz real amante do cinema. Apesar de que qualidade é um conceito muito subjetivo, enfim, pretendo falar disso futuramente mais detidamente. A sensação de terror, ou mesmo o suspense, necessita de locações mal-iluminadas, que passem a sensação de insegurança. Como dizem, o humano tem medo de tudo que não pode explicar, de tudo que não está sob seu controle – nada melhor do que isso do que sombras e escuridão. Além, claro, de locais claustrofóbicos, casas fechadas, arredores cercados. Filmes de zumbis utilizam bem esse fator, pois essas criaturas são como água, se espalham por todos os cantos e te passam a sensação de sufocamento, mesmo que esteja dentro de um shopping. Uma escola que mudou bastante isso foi o terror asiático, apesar de ainda utilizar a escuridão e os locais claustrofóbicos eles concentram suas ações na solidão, buscando a sensação de desamparo. Então locais onde você geralmente está sozinho são os prediletos deles – o banheiro pode ser um exemplo, apesar de Hitchcock já o ter utilizado. Filmes que demonstram bem essa categoria são Madrugada dos Mortos e Espelhos do Medo.

That's all, folks!!!

1 comentários:

Bárbara disse...

o mar é o lugar máximo onde se podem ocorrer aventuras – One Piece que o diga. Não poderia faltar! ahahaiuahiaauahi


Realmente, o local é fundamental para um filme. De uns tempos pra cá tenho reparado muito isso em filmes, séries e até novelas, como o cenário, o figurino e a trilha sonora dão o tom do que se passa.

Muito bom texto! =]