quinta-feira, abril 23, 2009

Adaptação versus Filme

 Goku&Bulma-dragonball

Nesses dias estreou nos cinemas nacionais um dos filmes mais controversos deste ano e, para os fãs de anime ou qualquer outra pessoa que nasceu no final dos anos 80 e início dos 90, dos últimos anos.

Falo de Dragon Ball Evolution.

Toda essa controvérsia surgiu por um motivo: Dragon Ball é um dos melhores animes da história, e sem dúvidas o que fez mais sucesso no ocidente, especialmente no Brasil. Só que sua adaptação passou longe de ser fiel ao que foi idealizado pelo mestre Akira Toriyama. Apesar de manter os nomes dos principais Goku, Bulma e Mestre Kame e a premissa básica da história o restante foi totalmente desvirtuado, causando um mal-estar generalizado em torno do filme que, antes da estréia, já era enxovalhado de críticas.

Isso tudo sucinta uma reflexão quanto à avaliação de filmes: vale a pena criticá-los apenas por não seguir o que o inspirou ou o filme deve ser avaliado pelo que apresenta, desvinculando-se de suas origens?

A TRANSIÇÃO ENTRE MÍDIAS

Contar uma história sempre foi um prazer para os humanos. Seja relatando acontecimentos que de fato ocorreram sobre caçadas, estoques ou feitos heróicos, seja criando histórias fantásticas que atiçam a mente dos ouvintes, quando não são usadas para explicar algo que a ciência da época não desenvolveu explicação.

Porém, por muito tempo, essas históricas eram contadas de forma verbal. Aliás, até hoje temos contadores de história, geralmente senhores de idade do interior, outro dia inclusive vi o trailer de um filme que se basearia na história (real) do maior contador de histórias do Brasil, depois lembro o nome. Enfim, por serem repassadas de forma verbal elas invariavelmente carregariam distorções, que acumuladas pelo número de vezes que foram repassadas, acabam muitas vezes saindo totalmente diferente do que era para ser no início.

Mas isso é algo perfeitamente natural, é impossível uma história sair de uma cabeça para outra sem absorver algumas das particularidades dela, ou dessa. É como você tirar uma xerox de algum documento, nunca será igual, e se você tirar uma xerox dessa xerox, e outra, e outra… Chegará um ponto que ela não terá mais nenhuma relação com a original. Assim também somos nós, células nossas morrem, outras nascem no lugar copiando o que o DNA diz, mas ela não será igual. Por isso envelhecemos e ficamos cada dia mais diferentes do que éramos em nossas origens.

Juntamente com o contar de histórias verbal surgiu a literatura (com desenhos rupestres, símbolos hieróglifos, alfabetos fenícios etc.), que sempre foi e continua sendo a fonte natural de histórias para o cinema, a principal fonte de adaptações. É bem verdade que mesmo tendo esta mídia como base a transição ainda possui ruído (diferenças inevitáveis).  Com o surgimento de novas mídias, e o crescimento de outras já existentes, o leque de opções para os cineastas se abrangeu, e a quantidade de ruído também.

Uma coisa é você adaptar um livro, que possui falas bem definidas, descrições de ambiente não tão detalhadas e de personalidade um pouco mais profundas; outra é adaptar um quadrinho ou uma animação. O livre traço dos desenhistas permite criar cenários inimagináveis, e personagens que podem chegar ao limite de apenas lembrar uma forma humana. E não falo de animes bizarros com seres cabeçudos e de olhos que cobrem 2/3 da crânio. Deles também, no caso. Mas também de seres com cabeças cilíndricas como um Simpson, ou em forma de bigorna, como o Arnold. Isso se não for falar de esponjas, estrelas-do-mar, etc.

É bem verdade que nossa tecnologia de computação gráfica não impede que nenhuma dessas histórias vire real. Mas histórias, por mais fantasiosas que sejam, têm que remeter alguma ínfima similaridade com o cotidiano dos espectadores para que haja conexão, haja química. O cinema tem uma particularidade ímpar porque ele não ativa, diretamente, nossa imaginação; mas é como se fosse uma substituição do ambiente. Digo, ao entrar em uma sala e passar duas horas na frente de uma tela imensa você não está captando uma história e imaginando como ela seria, está na verdade dentro da história. A câmera substitui seus olhos e o filme aquilo que você vê.

E existe um limite para aquilo que podemos presenciar e achar plausível. Outra função do ruído é enquadrar a história nesse tênue campo da plausibilidade.

Onde quero chegar? A partir do momento em que transitamos uma obra entre duas mídias distintas o resultado será, em algum grau, distorcido do original. Mas até que ponto esse ruído resultante da transição é aceitável? E será que realmente devemos considerar o ruído na avaliação do filme, ou apenas o produto final?

A AVALIAÇÃO DESVINCULADA

Muita gente acaba se enganando nos primeiros minutos de grande parte dos filmes que assiste. O famigerado "baseado em fatos reais". Quando essa sentença surge na telona (ou na telinha) essas pessoas esquecem de ler a primeira palavra. Baseado. Não, não estou falando de dar uns tapas na pantera, mas sim de ruído. Até mesmo esses filmes, aliás, principalmente esses filmes são vítimas de distorções entre a obra-base e a adaptação. Personagens podem ser adicionados para captar um maior público, momentos de tensão que não existiram surgem para prender a atenção do espectador em momentos-chave do filme, cenas de humor. Tudo é relativizado quando se adapta.

Porém, quando assistimos esses filmes baseados em fatos reais, a não ser que façamos parte dos retratados, não temos o referencial do original para fazer uma comparação; como diz o ditado: "o que os olhos não veem, o coração não sente". Nessa situação avaliamos o filme pelo que ele realmente representa. Ou seja, a evolução do seu roteiro, as atuações, efeitos visuais, trilha sonora… O básico de uma avaliação.

A avaliação desvinculada é basicamente isso: você ver o filme como ele é, e não em relação à sua obra de origem. Eu defendo essa posição por ser um entusiasta do cinema. Considero exigir de roteiristas e cineastas uma dedicação pujante a retratar com a maior fidedignidade possível a obra que o originou em detrimento a um esforço por tornar ela mais agradável na mídia em que será retratada, basicamente… Uma escrotice. Não achei palavra melhor, já que a outra era "feladaputice".

Apesar do palavrão eu falo sério. Esse problema acabou ficando mais latente a partir do momento em que a crise de criatividade de Hollywood (não generalizemos para 'cinema', vamos manter a crise nos muros da cidade dos sonhos) e porque não, a crise mundial, fez com que os produtores buscassem uma fórmula com garantia de retorno, e nesse caso nada melhor do que adaptar uma obra que já faz sucesso e possui um grande público.

→ Aqui abro um parêntese: nesse caso a escrotice não é tão escrota, porque o objetivo dos produtores era ganhar dinheiro em cima de uma fórmula que já possui sucesso. Então, nada mais injusto do que distorcer essa fórmula ←

Voltando ao raciocínio, a busca por retorno garantido com fórmulas já vitoriosas tinha seu calcanhar-de-aquiles: os "fãs putinhas". Aqueles seres que leem e releem a obra dezenas de vezes e sabem em que segundo, do tempo espacial-cósmico criado na obra, o personagem secundário dos secundários soltou um peido. Os piores são os trekers, mas quase toda obra de sucesso tem dos seus. Eles sempre vão reclamar dos detalhes que gostavam que não foram mostrados, das adições de roteiro feitas, e nunca vão assistir o filme.

Não sejam assim, leitores. Se estão lendo uma HQ, leiam a HQ e a avaliem como uma HQ, se estão vendo um filme, vejam o filme e o avaliem enquanto filme.

DRAGON BALL EVOLUTION – VALE A PENA APOSTAR NOS ANIMES?

Vivemos no furor de uma das adaptações mais faladas da história, e que desde sua apresentação também é uma das maiores piadas da história. A adaptação do mangá/anime de Akira Toryiama, Dragon Ball – um das mais influentes produções culturais do oriente no ocidente e, sem dúvidas um dos melhores mangás da história.

Vou ser direto para não tornar esse artigo maior do que já está: O filme é uma porcaria.

Mas o grande ponto é que ele não foi uma porcaria por ser uma má adaptação (o que na realidade ele é), mas porque ele é uma porcaria como filme, um oceano de clichês envolvendo uma história adolescente e fútil. Veja, perceba que não citei o fato de Mestre Kame não ser barbudo, nem o de Goku ser colegial e dar em cima da Chichi; o filme se perde em sua construção como filme – independente da distorção completa como adaptação.

Aliás, gostaria de abrir outro parêntese:

→ Até mesmo o desvinculamento na avaliação tem seus limites. Certa vez perguntei ao Amer porque as HQ's tinham tantas histórias diferentes e esparsas, e ele me respondeu que na verdade são várias obras que se baseiam em um princípio comum, que no exemplo de Batman seria a história de um garoto que viu seus pais morrerem a tiros por bandidos e teve que enfrentar seus medos para combater a corrupção e a imundice de uma metrópole, para fazer surgir sua verdadeira essência bondosa. Quer dizer, por mais que o ruído seja inevitável, a premissa deve ser mantida, a espinha dorsal da coisa. E no caso de Dragon Ball até mesmo ela foi ferida, e isso deve influenciar em sua avaliação como filme ←

O ruim apenas é que a péssima produção que foi Dragon Ball pode prejudicar futuros projetos de adaptações hollywoodianas de animes de sucesso, que em alguns casos podem ser mais fáceis de fazer. Ou não. Visto a rejeição por uma obra mal-feita os produtores podem se interessar em fazer algo de qualidade para buscar a aceitação desse público já enorme. Se um meia-boca não convenceu, vamos fazer algo realmente foda; vamos chamar um Sam Raimi da vida ou algo do tipo.

É muito difícil de prevêr, mas depois de um pífio Batman e Robin veio os excelentes Begins e Cavaleiro das Trevas do Nolan. O ideal é não nos contentarmos com mediocridade, milhões são investidos e algo realmente bom, tanto como filme quanto como adaptação é o mínimo que os produtores podem nos trazer em troca dos lucros astronômicos que têm.

Essa era a mensagem, acabei me estendendo demais como sempre, mas vocês entendem. Todas as quintas continuarei a falar sobre filmes, me ausentei nas últimas duas porque estava desenvolvendo esse novo layout. Espero que gostem! (não, não vou pôr aquelas enquetes ridículas com 'o que você achou? Ótimo? Bom? Regular?').

That's all, folks!!!

5 comentários:

Bárbara disse...

É complicado para um fã assistir à adaptação de um livro, citando Harry Potter como exemplo, e não reclamar. Quem é fã pensa no filme como uma chance de ver todos os detalhes que tanto imaginou enquanto lia o livro, concretizados. Fica difícil você analisar apenas os pontos técnicos e não se importar com o fato de que AQUELA parte que você tanto queria ver foi excluída! Revoltante.

Quando você vai adaptar HQ eu acho mais complicado ainda, porque são várias histórias paralelas que giram em torno de uma só, é muito difícil escolher quais delas vão entrar, quais vilões...


Enfim, quando assisto a uma adaptação de algo que gosto, tento me contentar em ter podido presenciar ao menos os meus heróis em "carne e osso".

Batsuman disse...

ah.. sei la.. eu sou fã incondícional de DragonBall, mas gostei do filme aheuahsuheasuehausehae Talvez porque eu esperava uma bostona sem tamanho.. Eu acompanhei cada notícia sobre o filme, e achei horrível cada uma delas.. E mesmo assim eu dizia "vou ver esse filme no cinema.. e DUBLADO!" e foi o que eu fiz. e eu GOSTEI!! Gostei muito da dublagem também que manteve alguns dos dubladores originais do anime.

Enfim.. sobre a adaptação vir com "ruidos" eu concordo plenamente com vc. E um dos exemplos que vc deu foi Batman - Dark Knight.. vc ja leu a HQ Batman - Dark Knight? Na HQ o batman é um velho que quer se auto-afirmar, ele lutam contra mutantes, aparece o superman e o Robin é uma mulher.......................... O que eu mais escuto é "a melhor adaptação de HQ que ja vi"

né..

300, Sin City, Watchmen.. nesses casos a adaptação foi super fiel à HQ. Mas não ficou ruim o resultado. Ficaram excelentes!

Então eu vejo aí dois caminhos para as adaptações: ser o mais fiel possível ou recontar a história de uma maneira diferente, porém, legal.
A barb citou Harry Potter. O caso de HP é o primeiro, querem ser fiéis ao extremo, mas não da, pq é coisa demais pra contar em um curtíssimo tempo.
Spirit é o segundo caso. E apesar de terem falado mal, ficou muito bom. Outros filmes que contam historias como deuses do egito, guerras, blablabla.. no fim, quase tudo é adaptação, como vc mesmo disse.

Enfim.. esse cometario já ta enorme demais, ninguem vai ler. Só queria dizer que gostei do DBE, estou ancioso pelo segundo, mas espero de coração que NUNCA mais façam esse tipo de "adaptação". Acho que, apesar de ter sido um filme fraquin (mó filme sessão da tarde), ficou bacana. Mas também acho que daria pra fazer um filme tão legal quanto seguindo o original mais de perto.
Ah.. e outra coisa. Eu imagiiiiiiino que o cara que escolheu fazer uma coisa totalmente diferente pra DBE, pensou assim "caralho.. tem o manga, tem o anime e todo maldito jogo a historia é recontada exatamente da mesma forma. acho que todo mundo ja conhece dragonball decor, vamos mudar"

Bráulio Oliveira disse...

Barby, aí entra no caso que citei: Se é uma coisa feita especialmente para fãs, se os produtores querem mesmo enricar às custas da obra de sucesso, nada mais justo do que seguir pelo menos um pouco a original. Mas é uma linha meio tênue, admito.

Tênue me lembra tênia, eca. D:

E Yosh, achei o filme bem marrom. Oceano de clichês, algumas coisas descontínuas e tudo mais. Bem, se tivesse visto sem prestar atenção nessas coisas provavelmente gostaria também. E, sim, se sair um DBE 2 eu vou assistir também! Vai que aparece o Vegeta! O.o

Unknown disse...

Como foi citado adaptar um anime para o chamado "live action" realmente é complicado, pois por mais que se tente ser fiel tem coisas que não tem como se colocar na tela, em relação ao Harry Potter citado pela Barb, eu sinceramente não li e nem consegui ver o 1ºfilme até o fim, não sei não engulo essa histórinha que pra mim é coisa de quem não tem o que fazer.Em relação a DBE, tenho que concordar não é um grande filme e quem espera uma continuação já pode acampar em frente a uma locadora mais próxima, porque esse filme vai direto pra locadora, sem passar pelo cinema.Ah caso não saibam DBE não é a primeira adaptação para o cinema, tem uma versão antiga e tosca que segue fielmente o mangá (pasmeeeemmmm), para quem quiser ver, boa sorte.Em relação as outras adaptações como spirit, ver Samuel vestido de nazista ficou meio estranho, mas fazer o que né, em relação a Watch. até que é legalzinha, bom deixa eu ficar por aqui, abraços a todos que lerem e aqueles que por acharem grande não leram.

Bráulio Oliveira disse...

Obrigado pelo comentário, Clayton. Realmente adaptações têm nuances especiais em cada caso, mas o ramo dos animes está crescendo bastante - veja Speed Racer que apesar de não fazer um grande sucesso teve nomes de peso em sua produção e foi um filme belíssimo, e DBE apesar de não ser um grande filme mostra continuidade nesse sentido, que pode ser embalada ainda mais por Death Note, que deve ganhar uma adaptação pela Warner contemplando os 3 primeiros volumes!

Isso é ótimo, imagine só ver Cowboy Bebop, 20th Century Boys e outras obras fantásticas em Hollywood?